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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Coisas da Vida - Te falei do Lau !


Estava no quintal, olhando um coqueirinho que o vento assoprava, ele ia para lá e para cá, deslizando ao sabor do vento, quando ele para, olha para mim e pergunta:

E ai Dió, minhas folhas balançando ao sabor do vento não te lembra alguém?

Fiquei por algum tempo pensando no que ele disse e me lembrei, as folhas do coqueirinho ao vento me lembrava a cabeleira do Lau, um amigo que tive, esse cara era uma figura.
O Lau era um cara que tinha uma figura fisica exótica, ele tinha dois metro de altura, cabelos cacheados, sempre andando de coturno, calça jeans daquelas agarradas no corpo e fanático por rock e moto, ele tinha uma daquelas fora de estrada, imagine essa figura nos anos 80.
Como trabalhávamos ali no centro velho de São Paulo, região da rua São Bento, 15 de novembro, Boa vista, metro São Bento e falando em São Bento, naquela época os roqueiros viviam se encontrando na hora do almoço ali próximo ao largo São Bento e o Lau era a figurinha carimbada ali, conhecia todo mundo e todo mundo conhecia o Lau.
Ele era um desses caras comunicativos, era um cara do tipo que não mandava recados, falava na cara sem medo de ser feliz, era engraçado, falava bem, era articulado, todos gostavam dele, alguns mais e outros menos, roqueiros ou não, mas parecia que só a policia não ia muito com a cara dele.


Estávamos no período do fim da ditadura, aquele período das passeatas das “Diretas Já”, participei de muitas. Ele, uma figura de dois metros de altura, com aspecto físico que fugia as características normais do “bom” cidadão, e ai, quando a policia aparecia e dava uma “geral” na turma era sempre ele o primeiro da fila.
Ele já estava até acostumado, o problema é que estes encontros com a turma do rock era sempre na hora do almoço e quando ele levava uma “geral”, os caras seguravam ele, e geralmente nele a policia aplicava a tal “canseira” e com isso ele sempre chagava atrasado para a volta ao trabalho e não precisava nem perguntar o que havia acontecido, todo mundo do escritório já sabia, o Lau levou uma geral.

Era um cara meio “louco”, estava sempre marcando viagens e acampamentos com os amigos, isso era todo fim de semana, ele e a namorada iam acampar ou viajar, na época o ponto de encontro dos “malucos” era litoral norte de São Paulo.

A namorada do Lau era o oposto dele, ele na época tinha uns vinte e dois anos mais ou menos a namorada também roqueira tinha uns trinta e dois anos, altura media dela era 1:60, a boca dela batia na cintura dele, ela calma, ele agitado, mesmo com essas "pequenas" diferenças , os dois se amavam, se davam bem, sempre juntos, inclusive se casaram.
O casamento do Lau, como era de se esperar foi algo diferente, ousado até, ou você acha que o Lau faria um casamento normal?
Os dois se casaram no estilo rock and roll, paz e amor, os dois de branco e de bata, chinelos, bem daquele estilo hippie da época, sem rótulos e vícios, muito legal e diferente.

O Lau era diferente mesmo, ele vinha com um papo de “o negócio é dar uma lombrinha”, era exatamente o que ele dizia “lombrinha”, era uma gíria da época que significava dar um “barato”, é quando ele "ficava legal".
Nunca vi ele fumar perto da gente, nunca ofereceu droga nenhuma, ele achava que cada um na sua, que cada um escolhe seu caminho, e não queria influenciar ninguém, agora você imagina um cara de dois metros de altura, pilotando uma moto fora de estrada e chapado, tinha que ter coragem para andar na garupa, e eu andei algumas vezes, o cara “sentava a bota”, mas nunca, dentro deste período de anos seguidos em que trabalhamos juntos, nunca vi acontecer algum acidente com ele, nenhum mesmo, e olha que ele estava sempre nas estradas.
Naquela época acho que não era obrigatório o uso do capacete, pelo menos poucas vezes vi ele usando a não ser quando ele ia viajar após o expediente de trabalho, quando isso ia acontecer vinha ele pela manhã, com uma grande mochila, com barraca, comida, roupas, panelas, o pior que ia tudo aquilo, mais a namorada, o capacete dele e o dela, e para tudo isso tinha que ter espaço na moto, e tinha, não sei como.
O que se percebia é que ninguém ousava brigar ou provocar ele, aquela figura exótica, era um tanto assustadora, mas tinha um grande coração, estava sempre disposto a ajudar, com seus dois metros de altura e aquelas roupas “diferentes", ele era um cara que sabia levar a vida, talvez muitos o criticaram pela forma como vivia, as pessoas tinham e tem uma forma de viver, determinada, estipulada pela sociedade, tem que andar assim, se vestir assim, falar assim, agir assim e quando nos deparamos com pessoas que escolheram uma forma diferente de viver, nos espantamos e geralmente não admitimos tal escolha, porque será que acontece isso?
Como se a felicidade tivesse que ter um padrão, no fundo, com toda aquela ousadia, irreverência, com certeza, ele levava a vida, e era muito mais feliz que muita gente.
Trabalhamos por cerca de uns quatro a cinco anos, trabalhavamos em uma grande empresa, chegou em um período que ele recebeu a proposta para ganhar mais em outra empresa, ele aceitou, as vezes a gente se "cruzava" nas ruas do centro, ele começou a se vestir melhor, roupas sociais, ganhar mais, mas como ele dizia, aquilo era um uniforme para ele, mesmo atrás daquela nova aparência o Lau permanecia o mesmo, os contatos com ele foram ficando menores, menores, isso faz parte das mudanças, depois de alguns anos ele mudou de empresa e nunca mais soube dele.

Hoje, muita coisa mudou, estou falando de uma coisa que aconteceu a mais ou menos 26 anos atrás, os ousados, os diferentes, os malucos que passam em nossas vidas com suas opções “diferentes”, seguindo seus caminhos, vão estar sempre surgindo, acredito que isso seja uma forma de mostrar que existe diferentes caminhos, diferentes pessoas com suas diferentes escolhas e se respeitarmos essas diferenças e o espaço do outro, existe espaço para que todos sejamos felizes seja ela qual.
Vai me dizer que você não conhece ou conheceu algum “maluco beleza” ? Se não, com certeza ainda vai conhecer, a estrada é longa e em algumas curvas vai aparecer o exótico o “diferente”, as diferenças fazem parte de nossas vidas, em uma estrada nem toda curva é igual, é ou não é Lau?



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